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quarta-feira, 25 de março de 2009

A questão do gênero na linguagem sobre Deus

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Aí doerão encontrar mais artigos sobre o assunto.
Boa leitura!

24/3/2009

A questão do gênero na linguagem sobre Deus

Da mesma forma como Deus atuou para salvar os israelitas do cativeiro, Deus está "atuando agora para libertar as mulheres do seu cativeiro" e para libertar "a linguagem sobre Deus do cativeiro do patriarcado", escreveu Ruth M. Kolpack, uma agente de pastoral recentemente demitida pelo bispo Robert Morlino, da diocese de Madison, Wisconsin, nos EUA, em um artigo acadêmico há seis anos.
A reportagem é de Tom Roberts, publicada no sítio National Catholic Reporter, 20-03-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A questão central da demissão no começo deste mês foi a afirmação de Morlino de que as ideias sobre Jesus de Kolpack eram "sem fundamento", de acordo com o relato dela sobre o encontro de 10 minutos que teve com Morlino, assim como a preocupação do bispo com relação à tese que ela havia escrito. De acordo com Kolpack, o bispo disse que havia lido alguns "trechos e partes" do artigo.
O documento em questão, na realidade, consiste em três artigos totalizando 51 páginas de textos e notas de rodapé que investiga um tópico de exame compreensivo sob o título "Inclusive Language for Naming God: Challenge for the Church" [Linguagem inclusive para nomear Deus: Desafio para a Igreja].
Os artigos, datados de janeiro a março, lidam com o assunto, respectivamente, desde as perspectivas da Escritura, da teologia sistemática e da teologia moral. Eles foram escritos para preencher os requerimentos de um mestrado em teologia no St. Francis Seminary.
Defendendo que nenhuma linguagem é adequada para nomear ou descrever Deus, Kolpack diz que podemos usar apenas metáforas "baseadas no que sabemos sobre Deus, e mesmo assim todas as metáforas que empregarmos não esgotarão a descrição de Deus. Quando limitamos as metáforas usadas para Deus, fazemos das metáforas os nossos ídolos".
Kolpack extrai do segundo Isaías [capítulos 40 a 55] o seu uso do imaginário feminino, "o único lugar no Antigo Testamento em que Deus é explicitamente comparado a uma mãe". As imagens maternas – gravidez, carregar uma criança no ventre, nascimento e amamentação – usadas no texto "nos fornecem imagens de intimidade e proximidade diferentes das geradas pelas imagens masculinas. [...] O segundo Isaías fez algo que ninguém mais fez no Antigo Testamento. Ele nos trouxe para dentro da intimidade de Deus por meio do uso de imagens maternas".
Tais imagens são significativas, ela escreve, porque "a linguagem dá forma ao que consideramos como realidade; nesse caso, a realidade de quem é Deus". Nesse sentido, a linguagem da missa, por exemplo, deve muito à linguagem patriarcal do teísmo clássico. O patriarcado, ela indica, vem das palavras gregas que significam "pai" e "soberano". "Socialmente, significa que os homens são os soberanos. Se os homens são os soberanos, consequentemente as mulheres são as subordinadas". O que resulta disso, escreve, é "a separação das mulheres e dos homens e a superioridade dos homens sobre as mulheres".
Quando nos referimos a Deus predominantemente em termos masculinos, as pessoas são levadas a "aceitar o domínio masculino", afirma. Os pensadores da Igreja primitiva faziam parte de um "padrão de antropologia patriarcal", escreve Kolpack, indicando que Agostinho sustentava que "a mulher sozinha [...] não é a imagem de Deus, [...] o homem sozinho, ele é a imagem de Deus. [Tomás de] Aquino aceitou a definição de Aristóteles sobre a mulher como um 'homem incompleto' e por isso declarou a mulher inferior física, mental e também moralmente. O único valor da mulher estava na procriação".
Aquino, continua ela, considerou a superioridade do homem como parte da ordem natural. Lutero defendeu que "a mulher tinha igualdade original, mas a perdeu por meio do Pecado e se tornou inferior como sua punição". O teólogo Karl Barth acreditava que o homem "está acima da mulher" por uma questão de "ordem divinamente ordenada".
Se a linguagem continuar a "manter a inferioridade das mulheres, não haverá chance de que as imagens femininas sejam aceitas como linguagem para Deus. Chamar Deus de 'Ela' poderia nos levar face a face com o nosso sexismo".
A linguagem unicamente masculina para Deus distorce a imagem de Deus, escreve, porque é exclusiva, e "Deus não pode excluir. Deus não pode ser menos do que tudo, e nomear Deus com uma linguagem exclusiva, que elimina a experiência das mulheres para expressar quem é Deus, é limitar Deus".
Se Deus é investido apenas de imagens e qualidades masculinas, os fiéis são entregues a um "Deus que exclui e discrimina um segmento significativo de sua própria criação".
Esse exclusivismo, defende, se torna um dos "males religiosos" da mesma categoria dos pregadores cristãos que atacam o Islã como sendo uma religião falsa ou que afirmam que Deus não ouve as preces dos não-cristãos; dos extremistas muçulmanos que prometem o paraíso aos homens-bomba suicidas; ou "da posição da hierarquia católica de que apenas os homens foram escolhidos por Jesus para serem apóstolos e, por isso, apenas homens podem ser ordenados".
Ela cita como exemplo do "mal do literalismo" a carta apostólica "Ordinatio Sacredotalis" do falecido Papa João Paulo II. O documento, escreve ela, é um exemplo da "antropologia dupla" que muitas vezes se aplica às mulheres na Igreja. "As mulheres são 'necessárias e insubstituíveis' na Igreja como 'mártires, virgens e mães'. Por um lado, João Paulo aceita o papel das mulheres na Igreja, mas, por outro, relega-as ao lar, para serem mães físicas, ou à vida religiosa, para serem mães espirituais".
No documento, João Paulo menciona três vezes que a Igreja não pode ordenar mulheres porque Cristo escolheu apenas homens e apenas 12 homens. "Se esse literalismo fosse seguido de todas as formas", escreve ela, "haveria apenas 12 padres na Igreja, e todos eles deveriam ser homens judeus do Oriente Médio". O objetivo desse "argumento literalista [...] parece ser excluir as mulheres da ordenação", afirma ela.
No entanto, Kolpack encontra "sinais de esperança" para um "avanço de um reconhecimento total da dignidade da mulher" na Igreja. Ela os vê em alguns documentos da Igreja e no trabalho dos teólogos.
Desde o Concílio Vaticano II, escreve ela, os documentos da Igreja têm incorporado uma linguagem "sobre igualdade e a participação da mulher na vida pública", incluindo o direito ao trabalho e a se envolver na vida cultural, econômica, social e política.
Ela indica que, no final do século XX, "os bispos dos EUA designaram explicitamente o 'sexismo' como um pecado", e os bispos do Quebec, em uma declaração sobre violência doméstica, aceitaram "em favor da Igreja uma responsabilidade parcial pela violência contra as mulheres, por terem aconselhado as mulheres a não abandonar um casamento abusivo".
As teólogas feministas, escreve ela, estão pressionando a Igreja a expandir crescentemente o seu magistério para além das interpretações exclusivamente patriarcais da Escritura e a avançar na causa da linguagem inclusiva nos textos e nas orações da Igreja.
"O Vaticano II enfatizou que a Palavra de Deus foi confiada a 'toda a Igreja', mas as feministas questionam 'como essa Palavra pode ser ouvida e proclamada se o povo de Deus não é ouvido ou mesmo consultado a respeito?".

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