Boas vindas

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Continuando a refletir

José Comblin *

Caríssimo Arnaldo,

Você se lembra do golpe eleitoral que estourou na véspera do primeiro turno das eleições de 2010 quando apareceu todo um alvoroço sobre a questão do aborto. Esse alvoroço permaneceu durante todo o mês de outubro até o segundo turno. Nas igrejas e fora das igrejas foram distribuídos milhões de panfletos assinados pelos bispos da diretoria do regional Sul 1 para intimar os católicos a votar no candidato José Serra. O motivo era que os candidatos do PT, principalmente a candidata à presidência da república, queriam legalizar o aborto no Brasil e, por conseguinte, queriam implantar uma cultura de morte.

Esse incidente me levou a refletir um pouco sobre esse fato bastante estranho e o seu significado eclesial. Quero comunicar-lhe aqui alguma coisa dessas reflexões.

Os bispos denunciadores se diziam os defensores da vida, isto é, pessoas que lutam contra o aborto e lutam contra todos os políticos que defendem o aborto descriminalizado no Brasil. O seu linguajar foi o que usam os movimentos que se dizem defensores da vida porque condenam o aborto. Era um linguajar violento, condenatório. Somente por distração os autores esqueceram-se de comunicar que a descriminalização do aborto estava no programa do PV, e que o candidato Serra já tinha autorizado o aborto em certos casos quando era ministro da saúde, o que lhe valeu os protestos da CNBB. Com certeza foi um esquecimento por distração. Por discrição os bispos omitiram o que aconteceu um dia na vida do casal Serra, o que foi bom porque a vida privada não deve interferir com a vida pública

Sucede que a Igreja condena desde sempre o aborto, e estabeleceu uma pena de excomunhão para todos os que têm participação ativa. Conseguiu que houvesse no Brasil uma lei que criminaliza o aborto. Mas o Brasil é um dos países onde há mais abortos. Alguns dizem 70.000 por ano, outros estudos chegam a dizer que uma de cada 5 mulheres no Brasil já praticou um aborto. Sempre é um aborto clandestino e naturalmente é feito nas piores condições para os pobres. Pois para quem tem condições há clínicas particulares bem equipadas, conhecidas, porém jamais denunciadas pela Igreja. Sobre essas clínicas para os ricos o poder judicial fecha pudicamente os olhos. Afinal, trata-se de pessoas importantes, as condenações da Igreja não têm nenhum efeito. A lei da república não tem nenhum efeito. Os defensores da vida não conseguem defender nada. Falam, falam, mas sem resultado. Condenam, condenam, mas o crime se comete com a maior indiferença pelas condenações verbais ou legais. Falam, condenam e nada acontece. Eles se dão boa consciência achando que defendem a vida, mas não defendem nada. Há um lugar no evangelho em que Jesus fala das pessoas que falam e não fazem nada. Impedem a descriminalização, mas defendem a situação atual, ou seja, são defensores do aborto clandestino, que é a situação atual.

O seu argumento poderia ser que a descriminalização aumentaria o número de abortos. No entanto, a experiência de outros países mostra que, pelo contrário, diminui o número de abortos. Isto se explica facilmente. Pois uma vez que uma mulher pode falar abertamente em aborto, as autoridades podem com a ajuda de psicólogas, de assistentes sociais, de assistentes religiosos dialogarcom ela e buscar com ela outra solução, o que de fato acontece. Muitas mulheres não teriam feito o aborto se tivessem recebido ajuda moral ou material, quando estavam desamparadas.

Já que o documento era assinado por bispos, eu pensava que os bispos fossem explicar o que estão fazendo na pastoral da sua diocese para lutar contra o aborto clandestino, e fizessem propostas aos candidatos nas eleições na base das suas experiências pastorais. Mas não havia nada disso no panfleto. Teria sido interessante saber como fazia a pastoral diocesana para evitar que houvesse abortos. Mas não havia nada. Os bispos gritavam, assustavam, condenavam, mas não diziam o que faziam. Alguns leitores pensaram: já que não falam da sua pastoral para evitar o aborto, deve ser porque não existe essa pastoral. Falam contra o aborto, mas não fazem nada para evitá-lo. Condenam, e mais nada.

Pois, poderiam fazer muita coisa. Muitas mulheres que querem fazer o aborto, são mulheres angustiadas, perdidas, desesperadas que se sentem numa situação sem saída. Muitas querem o aborto porque os seus pais não aceitam que tenham uma criança. Outras são obrigadas a fazer o aborto pelo homem que as estuprou, e que pode ser o próprio pai, um irmão, um tio, um padrasto. Outras estão desesperadas porque a empresa em que trabalham, não permite que tenham criança. Outras são empregadas domésticas e a patroa não aceita que tenham que cuidar de uma criança. Então essas meninas ou moças ficam angustiadas e não sabem o que fazer. Não recebem atendimento, não recebem conselho, não recebem apoio nem moral nem material, porque tudo é clandestino e nem sequer se atrevem a falar com outras pessoas a não ser algumas amigas muito próximas. Não achando alternativa, a contra-gosto e com muito sofrimento recorrem ao aborto. A Igreja não as ajudou quando precisavam de ajuda.

A Igreja poderia ter uma pastoral para olhar o que acontece na rua, no bairro, quais são as meninas ou moças que podem estar em estado de perigo porque estão numa dessas categorias de risco. Poderia acolher ou dar assistência moral e material, dialogar, buscar outras soluções. A experiência mostra que às vezes um simples abraço faz com que desistam de fazer o aborto. O aborto é o resultado da indiferença da comunidade cristã. Somos todos culpados, todos cúmplices por omissão e, em primeiro lugar, teríamos que pedir perdão pelo nosso descuido em lugar de acusar essas mulheres. Era o que se esperava de um documento assinado por bispos, que, afinal, representam o evangelho e a maneira como Jesus tratava os pecadores.

Jesus não condenou os pecadores e o que se espera da Igreja é que tenha muita misericórdia, muita compreensão e que ajude efetivamente essas pessoas que estão numa situação tão difícil. Poderíamos fazer sugestões ao poder legislativo no sentido de criar instituições para responder e tantos casos em que a vida humana está em perigo, e este é um deles.

Não faz sentido dizer que sou contra o aborto e estou defendendo a vida se não faço nada. Não estou defendendo vida nenhuma e o aborto está aí e não faço nada. O governo tem uma lei que criminaliza o aborto e essa lei não se aplica. Só serve para que o aborto seja clandestino, isto é, feito nas piores condições morais e físicas, salvo para as pessoas de boa condição. Essa lei é inaplicável e a Igreja nem se atreve a pedir que ela se aplique. Seria preciso construir milhares de penitenciarias e colocar nas prisões talvez um milhão de mulheres. A Igreja não pede isso e se conforma com o aborto clandestino. Na prática nada faz contra o aborto clandestino.

Existe a alternativa da descriminalização, que é para os nossos defensores da vida a proposta de Satanás. A chantagem dos chamados defensores da vida fez com que todos condenem a descriminalização, como faz a Igreja. Quem sou eu para julgar? Os bispos do Regional Sul 1 acham melhor o aborto clandestino. Quem sou eu para discutir? Porém, teria o direito de pedir mais discrição e mais humildade, porque afinal somos todos cúmplices por omissão se não fazemos nada para prevenir os abortos tão numerosos no Brasil. A condenação é inoperante. Mas uma pastoral da família ou uma pastoral específica para esse problema poderia evitar que muitas mulheres angustiadas e desesperadas tenham quer recorrer ao aborto que nenhuma mulher pede sem chorar. Porque esperar antes de desenvolver essa pastoral?

Então, qual foi o testemunho de amor que a Igreja deu com esse panfleto eleitoral?

José Comblin, grande pecador e cúmplice por omissão.


* Teólogo

Fonte: Adital

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Encontro de 10/11/2010 - Grupo Miriam Dabar

Estavam presentes: Raquel Pena Pinto, Maria Josete Rech, Paulo Ademir Reis, Leonete Cassol, Lucia Weiler, Eurides, Élida, Natália.

Estudo: Capítulo 5 - Os passos da sabedoria, do livro “Caminhos da Sabedoria”, de Elizabeth Schüssler Fiorenza.

Pontos enfatizados:
  • A metáfora da dança exige uma série de instrumentos, treinos, para que a dança aconteça. Esta metáfora é riquíssima.

Método corretivo-revisionista:
  • Cada estudiosa/o deve fazer opção sobre as variantes dos manuscritos. Aqui se chama a atenção para variações que mostram a possibilidade do feminino.
  • Buscar mais proxmidade ao sentido do texto. Veja-se a dificuldade de se colocar o Espírito Santo como feminino, como é no hebraico.
  • Corre-se o risco de se passar sempre uma interpretação kyriocêntrica.
  • Construir e revisar para além do texto. Num primeiro momento se tentou dar visibilidade aos textos de mulheres. Agora há a necessidade de nova interpretação, retirando as camadas de dominação e subordinação.
  • Na vida religiosa estamos muita aquém, mesmo nas leituras orantes. Quanto conseguimos problematizar? Romper com o dualismo?
  • Aparece um déficit de formação...


Método Histórico-reconstrutivo:
  • Tem-se medo de quebrar relações, que acabam sendo superficiais, pois não se chega no profundo.
  • O método exige relações verdadeiras. Tornar audíveis os sentimentos reprimidos. Ouvir quem está calado.
  • Visibilizar as histórias ocultas. A mulher não deve ser vista como oposta ao homem. Ela tem um agir criativo na história. Tem o poder de construir história.
  • Por que estou fazendo história assim? Por que faço leitura feminista assim? De fato é leitura feminista? Quais são os pressupostos?
  • Teoria e prática devem andar juntas, pela vivência.
  • Há a necessidade de um “desarranjo” teórico.
  • Mulheres não podem continuar reproduzindo os mesmos esquemas que já estão aí.


Método Imaginativo:
  • tentativa de atualizar as narrativas, através de narração livre, dança, canto...
  • ligação com as mulheres nos textos bíblicos, explícita ou implicitamente.
  • Enquanto brancos puderam aprender a ler e escrever, bem como interpretar a bíblia, os negros não tiveram esta possibilidade, desenvolvendo uma interpretação imaginativa.
  • Um jeito diferente de contar a história é perguntar “o que seria se...?”
  • Outros jeitos: entrevista com os personagens bíblicos, escrever cartas a eles...
  • Importante é estar em contato com os sentimentos e emoções.
  • Também dança, colagem, desenho, movimento corporal...
  • Midrash: um tipo específico de interpretar, criando textos homiléticos, legais...
  • A bíblia não é uma pintura, se parece mais com a palheta de cores que o artista usa para criar uma pintura.
  • A leitura midráshica coloca de volta a voz das mulheres na narrativa bíblica.
  • O Bíblio-drama: método aberto de interação entre o texto bíblico, a experiência e os sentimentos das pessoas envolvidas, está assim muito próximo da leitura popular feita no Brasil.
  • Representações que moldam as consciências e a sabedoria de grupos, comunidades, enraizando-se nas realidades sócio-econômicas.


Método de conscientização:
  • Na sociedade houve uma caminhada transformadora. Na Igreja (instituições religiosas) ainda não se chegou ao mesmo patamar.
  • Quais mudanças necessitamos fazer.
  • Questionar emoções evocadas por histórias kyriarcais. Dar o tempo antes de reconstruir as histórias. As mulheres sentem diferente.
  • Criar visões alternativas, formando a resistência, para rejeitar a fixação kyriocêntrica.
  • O texto também tem uma função, por isso, deve ser analisado sobre o que supõe e sobre o que passa no silêncio.


Quanto mais se é intelectual e mais difícil fazer a vida encontrar-se com o texto, na sensibilidade. Mais ainda se o grupo está dentro de um esquema clerical.
O povo simples, principalmente as mulheres, entende, sente com o corpo. Para um auto-suficiente é muito difícil entender a bíblia.
A contribuição singular da teologia feminista é esta, a da reconstrução de textos, da linguagem, criar com imaginação...
Um aspecto que ainda encontramos é o peso da culpabilização, do pecado... A cultura introduz e a religião sacraliza.
A proposta é criar uma Igreja de mulheres (não das). Espaço alternativo radicalmente democrático.


Combinações e comunicações:
Pesquisa: passar entre nós os pontos, para que quem puder faça algum encaminhamento.
Não faremos encontro em dezembro.
Final de fevereiro nos reencontramos, com a data a ser combinada por e-mail.